Eh, fadista deste
fado de bela vista
Tens a glória deste
momento na velha pista
E no andar e no
falar, estás p’ra amar
És um ‘pintas’ no
gesto e no trajar,
Em boas fintas
rodeias tudo com o olhar
Sentes o corpo em palavras a sussurrar.
Eh, fadista marialva
feito Midas
Faroleias as viúvas
mais queridas
Cantas estrofes de
tabernas e cafés
Conversas de tretas
e parlapiés.
E a troco de nada
debitas lamirés.
Pois é, fazes-te à vida, alma ferida.
Pesam-te os anos e
os enganos,
E a brilhantina
escorre os cabelos
Já grisalhos, mas
bom de vê-los
Calças de ‘jeanes’,
camisa às cores
Dum amarelo berrante
de dores
Um lenço preto
escorrido e com flores
Sapatos rasos e
deslizantes de alto brilho
E no pescoço, pouco
escondido, dourado fio
Como o relógio, a
bracelete e a pulseira
Dão à figura um
marialva de cabeleira.
Fins-de-semana nas danças de salão
Espalhadas um pouco
por toda a parte
Esse condão
‘engatatão´ da tua arte
Encobrindo
palidamente a solidão.
Solto o salão aí vais tu dando uma mão
Lanças amores, pedes
favores, apertas dores
Puxas pró tango
várias estampas
De outros tempos e
outras pampas
Ora dançantes, ora
sentadas e alinhadas
O rouge intenso e báton vivo põe-nas coradas.
És bailarino, exímio, na escola de outras eras
Onde as horas não
eram de tantas esperas
Ficou-te o ‘bicho’
enraizado dum pé de dança
Em qualquer baile,
ou mera festa, desde criança
Mas esqueceste que tudo é feito de mudança
E agora trazes nos
olhos a já pouca esperança.
Dás a perninha em qualquer baile
Rasgando o espaço
desse cansaço
Saltas sem rede e
avanças a cada passo
És uma estrada
escura sem qualquer raill .
Nos intervalos bebes geladas umas ‘begecas’
E até pensas que vai
ser fácil dar umas ‘quecas’
Lembras as noites e
os bailaricos de S. João
O vinho verde a
madurar sardinha e pão.
As matinés, já não em boites ou cabarés,
São estas voltas uma
constante troca de pés.
Repimpas firme uma
silhueta de juventude
Lembrando os verdes
anos muito amiúde
Na música ao vivo, soalho antigo, e já comido
E o jantar fica
perdido e ouvido algo entupido.
Lá dás o corpo ao
manifesto e sem protesto
És suave sombra a
envolver o corpo delas
Mas ao deitar é que
são elas.
Perdes as velas.
Dói-te a alma, os
cansados pés e as costelas
Vês-te em alto-mar,
num barco a naufragar
Sempre picado, sem
sentinelas p’ra te acordar
Os pesadelos,
tristes flagelos, dormem contigo
Feito peão deste
destino bem à medida da solidão.
E, mais uma vez, dormes sozinho, como um mendigo …
Seu poema nos remete aos efeitos do tempo, às lembranças de outros tempos, à solidão que se faz presente. Belo, mas triste. Abraço.
ResponderEliminarAyyyyyyy Luis...que bonito esto...y que triste también!! Me encanta como describes a esos bailarines y sus danzas, en este caso nuestro tango! Y el arte es asi.. detras de él, se esconden historias, amores, tristezas , pero cuando se sale a la pista , eso queda olvidado.. Luego en soledad, todo vuelve a la memoria... Belleza de letras en este dia.. Te dejo mi abrazo poeta.. y lo olvidaba pero has elegido una foto preciosa para acompañar las letras
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