em todo o lado
o pó assentou
e o vinho
já tão antigo
ali ficou
esquecido
em garrafa de vidro
pardo.
douro envelhecido
na garrafeira
perdido
como perdido
foi o seu fado.
aberto
muitos anos depois
com a rolha podre
de razão
passado estava
entre os dois
nos trinta anos
de desconsolação.
mesmo assim
dispersou o olhar
pelo vazio do lugar
bebendo o sono
nos cantos esquecido
no doce tempo
retido
sem por ele se ter
o vinho vertido
num brinde
ao jantar.
na boca restou
aquele travo azedo
dos beijos ausentes
desse um outro tempo
em que a casa respirava
sorrisos
derramando brindes
nos olhos brilhantes.
o soalho era alma
tão limpa que
brilhava
e o sol dos dias
de cada dia
trazia alegrias.
agora
persiste a memória
que espreita
por fora da porta
e teima
na reflexão suja
dos espelhos
como a querer perguntar
se tudo está bem
como nos bons dias
que deles foram
e os deixaram estagnar.
sem nada a fazer
abriu a janela
e o inverno descido
nas folhas da agonia
secas do abandono
e solidão
em voos
rentes ao chão
tinham a desolação
que o vento arrastava
em remoinhos
de compaixão
deixando para trás
a mãe enraizada
de ramos depenada
onde só os galhos
serviam de sustentação
aos muitos pardais
que partem dos beirais
em rápidas descidas
directas
tornando-os mais visíveis
na observação.
as folha caídas
davam lugar às penas
e de pena era o olhar
daquelas aves
numa visão lateral
como se o mundo
tivesse dois lados:
o do bem
e o do mal
sem saberem
que nem tudo está bem
e não se pode esquecer
e calar.
longe vai agosto
que já nem a lembrança da praia
ou outro vinho de última colheita
lhe dá real gosto.