“Ou escreves algo que valha a pena ler ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever.” | Benjamin Franklin

domingo, 27 de março de 2022

viagem dum olhar - Kiev 2022

 



"Perdemos repentinamente

a profundidade dos campos

os enigmas singulares

a claridade que juramos conservar

mas levamos anos

a esquecer alguém

que apenas nos olhou."



in A Noite Abre Meus Olhos

José Tolentino Mendonça


O último degrau

foto: headtopics.com


Teus olhos perdidos

vagueiam na paisagem em ruínas 

como se cinza e pó os quisessem habitar.


Surdos às dores

(esses alimentos sem sabores)

expandem o olhar 

pela janela do combóio 

sem retorno

que finalmente te há-de resgatar.


Tanto o cansaço e tanto o medo,

a fome, o desespero, a morte 

a rondar,

que mais não podes balbuciar

a raiz da palavra mãe (terra de bem)


Partes 

e a tua alma presa aos escombros

não sabe se teu corpo 

um dia 

dela se voltará a ocupar.


1 comentário:

  1. "Teus olhos perdidos
    vagueiam na paisagem em ruínas
    como se cinza e pó os quisesse habitar."
    O começo deste poema, juntamente com a imagem que escolheste, dá-nos a noção de tudo o que as crianças podem sofrer por pressentirem que poderão não voltar ao chão onde nasceram, à "raiz da palavra mãe", porque sofrem, têm fome e medo e a morte anda rondá-los. Tão sensível e tão belo este poema, meu Amigo Luís!
    Continuem a cuidar-se bem.
    Um beijo.

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